A playlist Estrada e Liberdade


Aproveite! Lá vem história!✍️😎🧑‍🦯


Era uma Quarta-feira abafada em Tupã, e Ana Clara, 22 anos, estava como sempre: fones no ouvido, absorvendo o drama universal de corações partidos embalados por violões e sanfonas. Gusttavo Lima, Marília Mendonça, e Jorge & Mateus eram sua Bíblia, salmodiados entre goles de tereré e suspiros nas redes sociais. "Sertanejo é a voz do povo", dizia, enquanto postava stories com legendas chorosas.  


Mas o destino, esse velho moleque travesso, decidiu brincar um pouco.  


Tudo começou quando Lucas, o primo recém-chegado de São Paulo, apareceu para uma visita. Lucas, um hippie corporativo – desses que ainda usam pulseira de miçangas, mas dirigem SUVs – trouxe consigo não apenas seu violão, mas uma insistência insuportável de que Ana Clara deveria "ampliar seus horizontes musicais". Ele só precisava de um momento certo.  


Assim,  Lucas arranhava seu violão na varanda da casa de dona Tereza, avó de ambos. Tocou algumas canções de Caetano, foi ignorado. Tentou Belchior, nada. Mas bastou dedilhar os primeiros acordes de "Como Diria Dylan" para Ana Clara levantar os olhos do celular.  


"Quem é esse Zé Geraldo?" perguntou, a princípio com desdém.  


Lucas, com a paciência de quem converte descrentes, explicou: “É poesia, Ana. É estrada. É o Brasil que o sertanejo esqueceu. Ouve isso aqui.”  


E lá estava ela, fisgada pelas letras que falavam de Dylan, de liberdade e da simplicidade que desafia o cinismo. De repente, as dores exageradas das músicas de sofrência pareciam artificiais, quase ingênuas.  


Ana Clara passou a semana inteira obcecada. Ouviu tudo de Zé Geraldo. Depois veio Elis Regina, Gilberto Gil, e uma imersão profunda no Clube da Esquina. Até Tom Zé, o que parecia um exagero há dias, fazia sentido agora.  


Mas, como todo convertido recente, Ana Clara não queria apenas mudar: ela queria evangelizar. Foi assim que, no sábado seguinte, reuniu a turma no bar do CanaShiro. O plano era claro: apresentar *"Como Diria Dylan"* e outras preciosidades da MPB aos amigos.  


“Vocês não sabem o que estão perdendo!”, dizia, enquanto conectava o celular ao som do bar. A música começou. Nada aconteceu.  


A galera seguiu indiferente, entre risos e doses de cachaça. João Victor pediu "Ai, Eu Gosto Tanto de Você" da Maiara e Maraísa, e os olhares já começavam a se impacientar. Ana Clara insistiu.  


"Mas ouçam a letra! É sobre sonhos, sobre..."  


"Ô Ana, larga de ser chata, vai. Bota uma sofrência aí", interrompeu Brenda, a amiga de infância.  


Foi então que Ana Clara sentiu aquele desconforto que só uma epifania pode trazer. Eles nunca entenderiam. Não era má vontade – era o abismo cultural que nenhum algoritmo de playlists resolveria.  


No entanto, ao invés de se resignar, Ana Clara fez algo radical: decidiu que bastava mudar a si mesma. Voltou para casa, apagou a playlist "Só Choro & Saudade" e criou uma nova: "Estrada e Liberdade". Colocou Como diria Dylan de Zé Geraldo para tocar no modo repetir, olhou pela janela, e viu Tupã com outros olhos.  


E ali, sob o céu do sertão paulista, compreendeu o mais importante: a música não precisa ser coletiva para transformar. Às vezes, ela só precisa encontrar o coração certo e a cabeça aberta.

  

📖Hismere: Nossa história é única. Nossa memória é poderosa. Nossa resiliência é transformadora✍️😎🧑‍🦯


     

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