O Dicionário das Palavras que Sentem
Numa cidade do interior paulista, cercada por buzinas, notificações no celular e pressa demais para quase tudo, um pequeno acontecimento começou a transformar a vida das pessoas — silenciosamente, como só as coisas realmente profundas sabem fazer.
Tudo começou quando uma senhora de cabelos grisalhos e olhos cheios de calma abriu uma livraria no centro da cidade. Mas não era uma livraria qualquer. Na vitrine, havia um único livro exposto: “O Dicionário das Palavras que Sentem”. Um livro misterioso, com capa de tecido azul-marinho e letras douradas, que despertava a curiosidade de quem passava.
Dentro dele, não havia definições comuns. Nada de “amor: substantivo masculino, sentimento de afeição...”. Nada disso. Cada palavra vinha acompanhada de uma história, uma memória, uma dor ou uma esperança.
A palavra "acolhimento", por exemplo, vinha com o relato de uma mulher que, após perder tudo numa enchente, encontrou abrigo na casa de uma vizinha desconhecida. A palavra "saudade" vinha com uma carta de uma neta ao avô que partiu cedo demais, mas deixou uma receita de bolo que ainda perfumava os domingos. "Coragem" era a história de um jovem da periferia que, mesmo com medo, subia no palco da escola toda sexta-feira para declamar suas poesias sobre a vida.
Não eram palavras frias. Eram palavras vivas, pulsantes, que lembravam que sentir não é fraqueza — é força, é resistência, é identidade.
As pessoas começaram a frequentar a livraria, mas não para comprar livros. Iam para ler as palavras, se reconhecer nelas e escrever as suas próprias. O dicionário crescia a cada semana, pois ali, toda emoção era bem-vinda. Alegria, luto, esperança, cansaço, ternura, recomeço.
E algo lindo começou a acontecer. As conversas mudaram. As pessoas passaram a falar mais de como se sentiam, e menos do que apenas faziam. Pais começaram a perguntar aos filhos: “Como está o seu coração hoje?”. Professores passaram a encerrar as aulas com perguntas como: “Qual palavra do seu dia merece ser lembrada?”. Até os bilhetes nos postes mudaram: antes era “vende-se sofá”; agora era “doa-se afeto”.
Esse dicionário invisível, que começou entre páginas, foi tomando as ruas, os lares, os cafés, das feiras. Era como se, ao lembrar que temos um mundo inteiro dentro de nós, passássemos a ver o mundo fora com mais empatia.
E, no meio de tanta tecnologia, onde tudo é rápido, descartável e automático, aquele livro trouxe de volta algo essencial: a pausa para sentir.
Porque, no fundo, é isso que nos humaniza. Não é o currículo, nem o saldo bancário, nem a pressa de vencer. É a capacidade de olhar para o outro e reconhecer ali um universo de emoções que também existe em nós.
Talvez esteja na hora de cada um de nós escrever o seu próprio dicionário. Não de definições exatas, mas de memórias sentidas. Um dicionário em que cada palavra seja uma lembrança de quem somos e do que queremos continuar sendo.
E se hoje você tivesse que escolher uma palavra para definir o que está sentindo agora... qual seria?
📖Hismere: a força da história, o poder da memória e a potência da resiliência✍️😎🧑🦯
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